quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Impeachment à brasileira

Nesta última quarta-feira (31), o Senado Federal enfim julgou a ex-Presidente Dilma pelos crimes de responsabilidade de que foi acusada, condenando-a à perda do cargo. Com um detalhe, porém: eximiu a ex-presidente da inabilitação para ocupar funções públicas.

Um dos argumentos noticiados pela Imprensa foi o de que a ex-Presidente pretendia dar aulas em Universidade pública, e tal desejo teria tido certo apelo junto aos Senadores, inclusive com o Presidente daquela casa, o Sen. Renan Calheiros, investigado na Lava-Jato. Como a votação foi nominal, é possível saber exatamente quais senadores entenderam adequado manter a ex-presidente habilitada para ocupar funções públicas, a maioria deles do PMDB, partido do agora Presidente Michel Temer.

Votação em separado


Mas afinal, de onde veio a ideia de votar separadamente a perda do cargo e a inabilitação para ocupar funções públicas?

Surpreendentemente, da Lei.

Veja o trecho da Lei 1079/50:

Art. 68. O julgamento será feito, em votação nominal pêlos senadores desimpedidos que responderão "sim" ou "não" à seguinte pergunta enunciada pelo Presidente: "Cometeu o acusado F. o crime que lhe é imputado e deve ser condenado à perda do seu cargo?"

Parágrafo único. Se a resposta afirmativa obtiver, pelo menos, dois terços dos votos dos senadores presentes, o Presidente fará nova consulta ao plenário sobre o tempo não excedente de cinco anos, durante o qual o condenado deverá ficar inabilitado para o exercício de qualquer função pública.
Bom, sendo assim, foi tudo feito dentro do previsto, certo? Não exatamente.

Lei x Constituição


Conforme muito bem explicado pelo Professor e Juiz Federal Márcio Lopes Cavalcante, a Constituição dispõe sobre o assunto de modo diverso. Veja o art. 52:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade (...);
.....
Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

Contrapondo-se a Constituição e uma lei de 1950, não parece possível sustentar que prevaleceria a lei por qualquer critério que se adote (hierarquia, especialidade ou temporariedade), ainda que não declarada pelo STF a incompatibilidade deste trecho da Lei com a Constituição.

Mesmo assim, dificilmente nossa Corte Suprema invalidará a decisão do Senado ao apreciar o Mandado de Segurança impetrado pela ex-Presidente. O mais provável é que invoque a separação dos poderes e a competência privativa do Senado (art. 52, I) para manter tudo como foi decidido pelos nossos Senadores, ainda que seja uma inconsistência jurídica. Afinal, é só mais uma.